O medo da cor. Cromofobia.

O medo da cor. Cromofobia.

Posted by Rui Rocha on 30th Apr 2025

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Vivemos numa época em que predomina uma aversão à cor nos espaços que habitamos – cromofobia.
A análise de mais de 7.000 fotografias da Science Museum Group Collection mostra como a paleta de cor, ao longo do tempo, sofre um dramático desvio para a neutralidade.

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        Fonte: Science Museum Group     

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Dos interiores domesticados por paletas de cinzento e bege às ruas repletas de automóveis em tons neutros, a impressão é a de um mundo deliberadamente desprovido de cor. Esta preferência pelos neutros –especialmente pelo cinzento – não se trata apenas de uma moda passageira, mas parece refletir um fenómeno social mais profundo.


Ainda que ao longo das décadas fomos tendo reações a esta tendência como na década de 60 e 70 com os psicadélicos (com explosão de cores em design gráfico, moda e interiores kitsch), rapidamente se voltou à tendência num regresso à sobriedade nos anos 80.
Já no virar para o século XXI, a viragem digital trouxe consigo interfaces brancas e prateadas (iMacs translúcidos coloridos dos anos 90 deram lugar aos iPhones prateados e pretos dos 2000).

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Fonte : @theculturist

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Quando surge a cromofobia?

Para entender as raízes deste medo da cor, cromofobia, é necessário olhar para a história dos cânones do design e da arquitetura.

A desconfiança em relação à cor tem antecedentes nos movimentos modernistas do início do século XX e nos discursos teóricos que moldaram o “bom design”. Muitos dos mestres da arquitetura modernista exaltaram a forma, a função e a honestidade dos materiais, desprezando o ornamento e, com ele, muitas vezes a cor exuberante.

O arquiteto Adolf Loos, em 1908, escreveu o polémico ensaio “Ornamento e Crime”, onde equiparava a ornamentação excessiva a uma degeneração cultural. Para Loos e outros puristas, o futuro da civilização residia na depuração estética: paredes brancas e fachadas despidas seriam o símbolo de uma sociedade evoluída. Loos profetizou, com tom quase messiânico, “Em breve as ruas da cidade brilharão como paredes brancas!” – uma visão de metrópoles imaculadas, livres de decorações coloridas, que ecoa o ideal modernista. Le Corbusier, outro gigante do modernismo, celebrou as superfícies brancas das suas “villas” como fundo neutro para a nova era da máquina; embora Le Corbusier mais tarde tenha explorado esquemas de cores na arquitetura, a imagem que ficou associada ao Movimento Moderno é a da casa branca, geométrica e sem cores “supérfluas”.

Assim, não surpreende que muitos profissionais tenham desenvolvido um receio intrínseco de utilizar cor, por temor de quebrar a sobriedade prescrita pelos mestres. A consequência direta é a repressão da expressividade cromática – optar por um esquema colorido arrojado num projeto pode parecer quase um ato de rebeldia contra os ensinamentos dos antepassados do design.

Historicamente, as elites intelectuais ocidentais modernas frequentemente desvalorizavam a cor associando-a ao “Outro”: ao feminino (emocional, frívolo), ao infantil, ao primitivo ou ao vulgar.
Enquanto a forma, a estrutura e o conteúdo eram enaltecidos como essência séria, a cor era tratada como cosmética. Durante séculos, a escultura clássica era admirada pela suposta pureza branca do mármore – ignorando-se que originalmente era pintada em cores vivas, fato que quando redescoberto causou um certo embaraço estético.

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Fonte: Liebieghaus Skulpturensammlung

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Importa frisar que movimentos como o De Stijl ou a Bauhaus, teorizaram sobre cor (Piet Mondrian pintava em primários, Johannes Itten ensinava teoria da cor). No entanto, na prática construída, a hegemonia da cromofobia, do uso do branco, do cinzento do betão e dos materiais ao natural prevaleceu amplamente na arquitetura internacional a partir dos anos 1920. O Minimalismo, já na segunda metade do século XX, reforçou essa herança: fosse na arquitetura high-tech de interiores industriais ou no design de produto, a paleta minimalista canonizou os brancos, negros e cinzentos como símbolos de sofisticação cool.

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O bom gosto

Estes movimentos estéticos foram modelando o “bom gosto”, o pensamento ocidental durante séculos atribuiu às cores fortes um carácter de excesso – seja moral, sexual ou social – algo a ser domado. Se a cor é “paixão”, a ausência dela é “razão”. Assim, interiorizou-se que um indivíduo de bom gosto “não precisa de cores espalhafatosas” para se exprimir. Este ideal difundiu-se através de manuais de etiqueta, revistas de decoração e pela própria educação estética familiar.

Hotéis, lobbies corporativos, lojas de marcas exclusivas – quase todos aderiram à fórmula do luxo discreto, onde nada salta demasiado à vista. Em termos culturais, o “bom gosto” passou a confundir-se com a coragem de não usar cor, ou melhor, com a prudência de se manter num registo comedido.

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Fonte : @theculturist

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A cromofobia é também promovida pela indústria e pelos ditames comerciais. Empresas de mobiliário e decoração frequentemente encorajam escolhas neutras justamente por serem aposta segura de vendas. Pintam-se casas de cinzento ou branco para agradar ao mercado imobiliário, escolhem-se eletrodomésticos em inox ou preto para garantir intemporalidada, na moda, opta-se pelo preto básico que “nunca compromete”.

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Cromofobia: A Psicoestética do cinzento

Há evidência científica de que os estados de espírito e perceção de cor se interligam.
Um estudo publicado na revista Biological Psychiatry observou que indivíduos em estado depressivo literalmente percebiam o mundo de forma menos colorida – com menor contraste, mais próximos do cinzento. Em casos de depressão profunda, os pacientes descreviam o ambiente como “desbotado” ou acinzentado, e testes objetivos da retina confirmaram uma redução na perceção de contraste. Embora esse efeito seja fisiológico e não uma escolha consciente de decoração, a correlação é simbólica: quando as emoções se deprimem, o mundo parece perder cor.

Assim, invertendo a lógica, uma cultura que suprime a cor nos seus espaços está também a suprimir as suas emoções coletivas.

Viveremos numa prisão emocional? uma espécie de anestesia emocional visual – nada choca, nada entusiasma, tudo permanece seguro e controlado.

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O Desafio

Um argumento frequentemente utilizado em defesa dos espaços neutros é o de que eles funcionam como uma tela em branco para a vida.

Ouve-se por vezes designers dizerem que “a casa é uma moldura, não deve competir com os habitantes”, implicando que a presença de muita cor na envolvente poderia “abafar” a personalidade de quem lá vive. Assim, justificar-se-ia a opção por interiores discretos: eles seriam versáteis, adaptáveis, prontos a ganhar vida com as flores numa jarra, os livros na estante, a arte na parede, o bulício das pessoas e até as variáveis condições de luz ao longo do dia.

À primeira vista, esta metáfora da tela em branco parece sensata. De facto, há mérito em não saturar ambientes que possam cansar ou limitar o uso do espaço. O problema é que não podemos isolar o meio da pessoa. A falta de cor afeta o estado de espírito, fazendo com que o cinzentismo se transmita do espaço para a pessoa e em vez de uma vibrante pintura da vida sobre um fundo discreto, temos uma composição inteira em cinzentos.

Compreender este medo da cor é o primeiro passo para o desafiar.

A academia Interior Guider

Na Academia interior Guider colocamos um desafio interessante à nova geração de designers de interiores : Como resgatar a cor sem sacrificar a elegância?

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Fonte: Fundação César Manrique, Lanzarote, Fotografia: Mariana Morgado

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Será possível devolver expressividade emocional aos espaços, rompendo o dogma neutro e manter a elegância e intemporalidade? Acreditamos que sim.

É compreendendo o peso da história e dos cânones académicos que podemos superar a fobia à cor. Um design de interiores experiente com uma pitada de coragem não precisa de se esconder atrás dos tons neutros. Pode orquestrar as cores com sabedoria psicoestética, estudando e compreendendo a psicologia da cor. Esta é uma das matérias estudada no Curso de Psicoestética da Academia Interior Guider.

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Fonte: Projeto Interior Guider Cortegaça

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Fonte: Projeto Interior Guider Alta de Lisboa

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É possível que a criatividade e a diferenciação no design de interiores contemporâneo esteja ligada a resolução da cromofobia. Estaremos dispostos para fazer o que ainda é pouco feito?

Saiba mais sobre o Curso de Psicoestética no Design de Interiores do Interior Guider.

Curso de Psicoestética